9h20m when he washed, washed my sins away 10h17m he taught me how to fight & pray 01h40m and live rejoicing everyday

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Oh Happy Day, [Coro: Oh Happy Day x2]



foi na casa de banho que a minha mãe teve o meu irmão, deitada no chão, passados tantos anos continua a jurar que o bebé nasceu prematuro com a inocência do olhar-de-namorico-de-portão; foi na casa de banho que o meu tio Alberto morreu de síncope cardíaca, a dor foi tanta que chegou a arrancar a bacia; foi na casa de banho que apanhei o meu pai a fornicar a puta, a minha dor foi tanta que ainda hoje não consigo chamá-la de tia; foi a casa de banho que a minha meia-irmã induziu o aborto; foi na casa de banho que me veio o período; foi na casa de banho que a natureza me ordenou ser mulher e me ensinou quais as obrigações e imposições do género biológica e geneticamente determinadas; foi na casa de banho que fiz pela última vez amor c/ o meu namorado, foi nessa mesma casa de banho que o fodi com o meu ex; foi na casa de banho que a cor celestial do azul-Predictor me devolveu a felicidade do miraculoso falso alarme; foi na casa de banho que pronunciei correctamente a primeira palavra: "cocó"; foi na casa de banho que me caiu o primeiro dentinho; foi na casa de banho que tomei o primeiro sedativo por engano, queria atenuar as dores de crescimento, tão somente; foi na casa de banho que me ofereci para lavar as costas à avó Maria Inês, só depois de a ver nua, já com doze anos, me dei conta que além de avó e mãe e linda, era mulher [...] é na casa de banho que canto a pleno pulmões o regozijo desafinado de um dia bem passado, num tom despreocupado e sem a vergonha de que os vizinhos sisudos e sorumbáticos do rés-do-chão esq. me possam ouvir cantarolar; é na casa de banho que emudeço o grito da dor do momento, abafado pelo som da água que cai do chuveiro e do som aflitivo que sai do secador ensurdecedor que ligo, faço-me esquecer da água que transborda da banheira, do remoinho aflito e da iminência de um curto-circuito; é na casa de banho que me alivio, faço necessidades e olho para a merda que faço; é na casa de banho que me alivio, gozo-me do tempo com tempo e com orgulho do que sou, de quem sou e do que faço ou optei por não fazer; é na casa de banho que está a alegoria mais-que-perfeita do livre arbítrio consubstanciada na simples torneira da água quente e da água fria; é na casa de banho que a Margarida de 37 anos se chora ao espelho, enfia os dois dedos nas goelas na ânsia de provocar o vómito bulímico despejando pela sanita quilos de auto-estima e de amor-próprio; é na casa de banho que Julieta de 23 anos se lambe no espelho acrescentando dois quilos de maquilhagem ao seu rico ego, acredita que amanhã fará a capa da próxima Maxman, ela acredita, repito, acredita solenemente e confia que será desta que arranjará marido; é na casa de banho que está a tesoura, o corta-unhas, a pinça, a lima, mas também o algodão, a Betadine, o penso-rápido, o álcool para desinfectar e a água oxigenada para sarar, suturar e gazear sob o efeito da espuma borbulhante as feridas e as nódoas negras de quem pisa inadvertidamente e dos que magoam acidentalmente, dizem; lá, encontra-se também o creme de leite de aveia hidratante, o óleo de amêndoas doces bem como os sais de banho para adormecer o corpo; é a casa de banho a primeira a dar-me os bons dias quando o sol me acorda e a última a dar-me um beijo na testa antes de descalçar o dia apagar a luz e adormecer o cansaço - conheço o caminho que vai para o meu quarto de olhos fechados; é na casa de banho que também leio; é na casa de banho que espremo os pontos negros, introduzo os tampões, vejo os pneus, faço testes, - tratamento semelhante ao d' uma oficina de automóveis, o lugar das coisas e das bombas, como [nos] chamam, para o ser faltaria apenas o calendário estampado no silhar de azulejos - é na casa de banho que cago para isto e para aquilo, para onde levo a minha sujidade, lavo e ensaboo o meu corpo até os dedos se me enrugarem, é na casa de banho que me mimo - atento-me e detenho-me, e passo mais tempo com este corpo que me veste [e não que me habita - insuportável cliché] e, com a lucidez de aço inoxidável olho-me frente ao espelho todos os dias e, no entanto, ainda ninguém me apresentou aquela que me olha e me observa desde o primeiro momento, todos os dias, com os meus gestos de todos os dias, e perdida no meio de tantas [re]encontro finalmente o melhor de mim; é na casa de banho que cuido e trato de mim, e é nesse mesmo espelho que ao meu olhar seduzo, ele gosta do que vê, eu gosto do que vejo, sinto-me a musa dos artistas dandies do Quartier Latin e Montparnasse e sorrio e prescindo dos sapatos de salto agulha para o dia seguinte. rio, muito. menti, não uso stilletos para caminhar, senão para furar o rasto de quem me pisou. redimo-me através do credo de David Mamet: «Everybody makes their own fun. If you don't make it yourself, it isn't fun. It's entertainment». absolvida, adiante; é na casa de banho que tranco a porta, dou duas voltas à chave para que fique bem fechada e dispo-me às escondidas de mim e dos outros; é na casa de banho à média-luz e com o corpo meio-desprendido na banheira, semi-perdido e inebriado pelos perfumes de alfazema que ardem e se dissipam por entre os vapores que me entrego à vida, me ofereço, me devolvo. revelando-se-me então a estranha sensação de um amanhecer levitante; é nessa mesma casa de banho, sob a mesmíssima média-luz e com o mesmíssimo corpo desprendido na banheira que me sinto submersa, como num afogamento volúvel, apagada como os coutos das velas já queimadas, e penso meio-desfalecida no fardo da inevitabilidade crepuscular da morte; é na casa de banho que se passam as desavergonhices com as seis e sete amigas de sempre e para sempre, para onde vamos uma duas e três e quatro e cinco vezes por hora, porque há, quando há, sempre algo de novo para contar e quando não há inventa-se. o quê? efabulações escabrosas com mestria e virtuosismo sempre conjugado na singularidade feminina, não porque tenhamos na realidade algo de novo para contar, mas porque necessitamos tão-só de alguém disponível para nos escutar ou nos-estar, em comunhão, partilhando os tantos desdizeres e desditas desse silêncio que nos habita [esse sim], e saiba fingir com a mestria da arte do fingir o auscultar dos 21 gramas de vozes incorpóreas que nos sobrelotam; porque é na casa de banho que entro, me dispo, me desmaquilho, e me torno a vestir e me torno a maquilhar. nesta casa de banho num quarto de hora à hora do banho neste quarto me banho e de banho e é aqui que [me] venho. isto dá-me prazer, foda-se.

[texto, ficcionado, não rectificado sujeito a eventual alteraçãozINHA aqui, ali & acolalém]

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5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. adoro tudo! seu texto, suas fotos..
    sempre um deleite passar por aqui..

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  3. ...

    ...

    ...

    *um p/ o menino,

    e

    *outro p/ a [minha] menina...

    (era suposto retribuir c/ algo inteligível, à altura do vosso profundo sentir, não era...)

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  4. se eu aqui pudesse dizer asneiras diria que este texto está do car****, chiça.


    quando se diz uma asneira por gosto não cansa,

    beijinho

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  5. ai natacha a sensação é tão libertadora quanto a de tomar uma aspirina c/ redbul acompanhada de sandocha de leitão comida na área de serviço da A17...

    diz, palavrões natacha, diz :) sê solidária comigo e não tornes a censurar palavras com asteriscos. vá, não me deixes ficar mal, por amor de deus, raios! somos ou não somos mulheres de barba rija com tom****?

    *outrinho.

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