___________________________________________________i have a dream________________________________________

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# Sob o signo do sol, pormenor do pontilhismo-divisionismo pré-impressionista de Seurat, Musée d' Orsay, Paris.

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« A multidão é a mentira. É por isso que, no fundo, ninguém despreza mais a condição do homem do que aqueles que fazem profissão de estar à frente da multidão (...). Só existe uma qualidade: a individualidade». in Post Scriptum Final Não-científico às Migalhas Filosóficas de Søren Kierkegaard
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(...) Os acontecimentos deste romance ocorreram no final da década de sessenta. Em Paris, vibravam os gritos de Maio, as utopias desciam os boulevards, arremessando pedras aos duros capacetes do poder. Em Portugal, a pacata Coimbra agitava o seu sono provinciano, apupando esse vademecum de gaffes e anedotas que se referia a si mesmo como «o mais alto magistrado da nação», em Lisboa, a Universidade respondia com firmeza, Salazar caía finalmente da sua abençoada cadeira, e tudo isso ia chegando em eco amortecido às colónias como Angola, onde Nicolau, imerso no perfume acre do seu tempo, protagonizava velhos mitos gregos totalmente desconhecidos naquela África o menos helénica que se podia imaginar. Passaram mais de quarenta anos, e neste tempo de revisitação, perante um romance que procura retomar o fio de um sentido há muito perdido, questionando as balizas da interpretação histórica, e o próprio sentido contemporâneo da história, como o seu autor já fizera, de forma aforística, em Ensaio sobre o termo da História [António Vieira, Lisboa, Hiena Ed. , 1994], mas também, em grande medida, et por cause, a dimensão ética do intelectual, termino, citando uma frase de Kierkegaard sublinhada por Nicolau no exemplar de uma obra do filósofo dinamarquês que alguém deixara numa prateleira do posto médico no mato, em Angola, naquele final da década de sessenta em que decorre a acção do romance. Esta frase, vinda do século dezanove, passou pela floresta africana e chega até à consciência difícil desta pobre democracia mutilada em que vivemos, desta «democracia da absurdidade». A frase é simples e duma actualidade que queima:

. «do ponto de vista ético, a multidão é a mentira, e é mentira querer agir em função da multidão e do número, e fazer do número o tribunal da verdade».

E Nicolau, que parece ter lido os aforismos que constituem o Ensaio sobre o termo da História e, consequentemente, sabe que: «Na hora em que o cântico de Orfeu se dissipa, envolvido por sons centuplicados sem sentido e sem alma, e em que poucos ainda conseguem distingui-lo por entre o coro de sereias que, capciosas, convocam os humanos à praia desolada, parece urgente reflectir sobre o protagonista destes tempos e os horizontes fechados do futuro», sabe que chegou o tempo em que o «O Incaracterístico» se apossou «do seu destino», que «só as figuras do simulacro» adquiriram direitos, acrescenta, pela mão do seu narrador, que «A democracia cederá por toda a parte a essa tentação.», e termina, questionando se os intelectuais conseguirão resistir. in A Arte da Memória da Guerra (Fim de Império, de António Vieira) de José Manuel de Vasconcelos
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