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'Hands Painted by Picasso', 1935, por Man Ray

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Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está a dar a mão.

Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria. Muitas vezes ao adormecer - nessa pequena luta por não perder a consciência e entrar no mundo maior - muitas vezes, antes de ter a coragem de ir para a grandeza do sono, finjo que alguém me está a dar a mão e então vou, vou para a enorme ausência de forma que é o sono. E quando mesmo assim não tenho coragem, então eu sonho.
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Ir para o sono parece-se tanto com o modo como agora tenho de ir para a minha liberdade. Entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada. Será ir apenas indo, e como uma cega perdida no campo. Essa coisa sobrenatural que é viver. O viver que eu havia domesticado para torná-lo familiar. Essa coisa corajosa que será entregar-me, e que é como dar a mão à mão mal-assombrada do Deus, e entrar por essa coisa sem forma que é um paraíso. Um paraíso que não quero!

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Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está a segurar-me a mão.
Ou, pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão - mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca. Mas embora decepada, esta mão não me assusta. A invenção dela vem de tal ideia de amor como se a mão estivesse realmente ligada a um corpo que, se não vejo, é por incapacidade de amar mais. Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira. E como imaginar um rosto se não sei de que expressão de rosto preciso? Logo que puder dispensar tua mão quente, irei sozinha e com horror. O horror será a minha responsabilidade até que se complete a metamorfose e que o horror se transforme em claridade. Não a claridade que nasce de um desejo de beleza e moralismo, como antes mesmo sem saber eu me propunha; mas a claridade natural do que existe, e é essa claridade natural o que me aterroriza. Embora eu saiba que o horror - o horror sou eu diante das coisas.

e é com esta magia negra e branca que a minha mão assombrada te escrevre, Clarice L.

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3 comentários:

  1. Anónimo08:42

    Clarice me faz tremer, esquecer de respirar.
    E eu seguro a sua mão, amiga, quando quiser fingir, sempre que precisar, pra dormir ou pra caminhar, indo rumo ao desconhecido ou felizes e ansiosas ao conhecido apreciado, como crianças!
    **kika

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  2. este beijinho leva-te a saudade e a esperança de que te encontres bem.

    temos um oceano profundo a unir-nos*

    **inhos transatlânticos, minha adorada & Amiga*

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  3. Anónimo21:06


    **outros pra você.
    K.

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